Rachel Gonçalves
Desde pequena, tenho uma dúvida muito pertinente. Será que todos vêem a mesma coisa sempre? Será que o seu azul é vermelho pra mim? Será que o meu amargo é doce pra você? Nunca vou conseguir essa resposta, suponho. Aliás, essa é uma das poucas coisas das quais tenho certeza. Poucas mesmo, são as certezas desta vida, já que a qualquer momento o tabuleiro do jogo pode ser virado. Mas como saber se não estou lutando por uma Vitória de Pirro? Não há como saber. A vida está mais para Comédia do que para Tragédia. A Comédia, jocosa, vai tentar te envolver e puxar teu tapete na primeira oportunidade. Mas não pode ser julgada, pois é amoral. Moral é assunto da Tragédia. A Tragédia tem o poder de enlouquecer, de torturar e machucar. Mas nunca de encostar um dedo. A racionalidade é mesmo muito cruel. Mas não posso viver sem ela. Não sou um Pícaro – minhas ações são julgadas a todo instante. Vivo numa sociedade-espetáculo, mas recuso-me a virar um de seus personagens toscos. Personagens que simplesmente aceitam, que não perguntam ou questionam. Talvez porque quando crianças não foram encorajadas em suas indagações. Toda dúvida infantil é muito pertinente.
Rachel Gonçalves
Por muito tempo eu te esperei, sonho bom! Um sonho meio desbotado, é verdade, pois trata-se de um sonho antigo. Mas não menos importante. O tempo só desvaloriza bens materiais – não é o caso de um sonho. Sonho de felicidade, sonho de menina – sonho ingênuo, sonho de acordes de guitarra. Naquele tempo eu tinha olheiras, das noites em claro esperando meu sonho vir me achar. Mas é que… O sonho não vinha, então eu desisti de esperar. Passei a dormir cedo, e deixar os sonhos para o meu travesseiro – ele é meu cúmplice perfeito. Eu não preciso contar e nem ele me lembrar. Hoje a única sombra em meu rosto é psicológica. Eu envelheci, mas o sonho não. Sonho, a gente precisa conversar. É que… Você demorou demais. Enquanto você não vinha, eu aprendi a andar com minhas pernas – construí meus próprios sonhos, e passei a não mais precisar de ti. E você não tem o direito de vir me procurar agora. Deixa estes pés cansados perseguirem algo mais que sombras de cavernas. Por mais cansados que estejam, não vão andar pra trás.
Rachel Gonçalves
Ai amor, se você soubesse… É que às vezes a pontinha da língua coça… Mas deixa calar, vontade dá, e passa. Mas eu mesma não – eu permaneço, com todas as minhas responsabilidades. E o resto é resto. Não é conversa barata, sei do que estou falando. Sei exatamente o que é confiar na pessoa errada – e quebrar a cara por causa disto também. É que às vezes o peito do meu traidor parece o mais confortável. Aparências enganam, minha linda. Amigos são o que levamos desta vida. Já o resto, fica pelo caminho mesmo. Mas amigos são humanos, eles falham. Certo está Renato Russo: “Se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo”. E ainda assim, não confie demais. Poucas pessoas são dignas de seus sonhos – aos outros, deixo os enigmas. Pistas somente, mas não o suficiente para encontrar o que quer que seja. Esta verdade é só minha. Dá pra respeitar?
Rachel Gonçalves
É. Pois é. Outro ano e eu estou aqui. Não vou dizer que parece que foi ontem, porque além de clichê, é mentira. Apesar de alguns – muitos – tropeços, digo de peito aberto que vivi. Afinal, quem não errou, nunca viveu. Vivi cada momento da minha vida, nunca me contentei em apenas existir. Se eu voltaria atrás em alguns aspectos? Bem, sim. Mas voltar agora implicaria em desfazer-me duma nova vida construída desde certo momento. Sei que a minha vontade de voltar fica menor à cada dia. Se algum dia ela calará? Não… Enquanto eu sorrir, a vontade existirá. Mas não há como não lembrar com carinho de momentos felizes. Mesmo tomando o rumo que tomaram. Contudo, hoje não é dia de tristeza. Completo pois 18 anos e, sem pedantismo, sinto o peso de 20. Existem algumas experiências que – literalmente – te envelhecem. Passando a calar de mais e a sorrir de menos. Se é triste? Não… Dá pra pensar com mais clareza. Porque afinal, um adeus não significa tudo. Ou mesmo nada. Acontecimentos com menos de um ano perdem o brilho do ontem, e as coisas ficam nitidamente mais efêmeras. Como se importassem cada vez menos. E quando você começa a cortar coisas da sua vida, percebe que a primeira delas foi você. O tempo não para nem volta – mas eu não sou assim. Eu penso
Rachel Gonçalves
Por que gostamos tanto de olhos? É pelos olhos que descobrimos a história de uma pessoa. Algumas pessoas ficam incomodadas quando lhe olham nos olhos – como se estivessem sendo “invadidas”. Mas é. Os olhos denunciam não o que, mas como vivemos. Bebês são cativantes porque seu olhar é puro, uma folha em branco, grandes e ávidos por conhecimento. Tem gente que continua assim na vida adulta, mas olhos rasos são de uma beleza que não dura para sempre. A inocência tem prazo de validade – depois disso, é alienação. Olhos apressados, inquietos, arregalados são típicos de crianças. Por mais cativantes que sejam, não inspiram confiança – são olhos rasos. Mas um olhar não posa para a eternidade. Testemunhas fieis, olhos não esquecem o que viram. O cérebro pode nos proteger de um pensamento, mas é ineficaz contra as janelas da alma. Um olhar profuno jamais volta ao ponto raso inicial. É deformável, mas inelástico. Olhares profundos nos propiciam um mergulho em outro mundo – dois universos mergulhando entre sí, duas histórias comungando. É por aí. Olhos profundos contam. O interessante é que poucos adultos possuem esse olhar – a maioria apenas fala. E não comunica nada. É estranho, mas não conheço meu olhar. Não é algo que você mesmo possa avaliar. Mas sei porém, que ontem ele pesava bem menos.